Há que se perder para se salvar?
Robert Redford – um ator-senhor marcado; emprestando seu corpo, seus gestos, seus movimentos. O olho e o olhar lembram os seus anos de juventude.
Despojado do glamour Hollywoodiano como um dos maiores sex symbols masculinos do cinema americano que foi nos anos 60/70, já de partida, remeteu-me à ascese.
O que é a ascese? Tema difícil. Em termos apertados, seria o sujeito se apagar para se tornar instrumento. Na música, instrumento dos tons. Na pintura, instrumento das cores e das formas. Nas instituições, instrumento do funcionamento e do trabalho. Na análise ou no tratamento, instrumento da palavra.
O ator disse, em entrevista coletiva, no festival Sun-Dance, nos Estados Unidos: “Estava tão despojado de todos os elementos que aparecem na maioria dos filmes […] que, para mim, foi uma experiência cinematográfica pura. Amo isto, estou muito contente com este filme. “
Uma cena: ante a tempestade que se aproximava, ele se coloca diante do espelho e faz a barba. Não por estar desavisado do que vinha pela frente. Ao contrário, um gesto de que sabia o que estava por vir. Prepara-se, dignamente, para o desafio.
A natureza selvagem e implacável. E ele ali sozinho – não solitário. Não reclama, não fica lamuriando. Faz o que tem que ser feito a cada passo. E vai perdendo, aos poucos, mas continua firme na navegação.
Quando lança o bote ao mar: e se esse bote não estiver funcionando? No entanto, há que se passar pelo que foi construído por um outro. Passar pelo outro.
Como navegador, estava instrumentalizado com os objetos da cultura. E lançou mão do que podia para continuar navegando. Até a navegação celeste.
Foi pescar para se alimentar. A natureza, mais uma vez implacável, pula antes.
Quando o bote pega fogo e se lança ao mar, não tendo mais outra saída, é que acha a saída. Quando o sujeito não tem mais saída é que pode achar a entrada.
A posição de ascese do ator e as exigências da personagem nos banham.
Fazer o que tem que ser feito com o que se tem. Eis a tarefa mais simples e desafiadora. Nada de mirabolante. Foram as tarefas simples, que se impuseram, que puderam salvar.
A cada gesto dá provas de que sabe o que está fazendo. Conhecedor da navegação e avisado do que viria.
O silêncio do filme também toca. Mas, para suportar o silêncio, no compasso, tem que marcar o ritmo que pulsa.
Esse filme aponta também para a prática da clínica.
Os operadores – sujeitos às intempéries, aos imprevistos, às surpresas que acometem todo o tempo. E o que se tem ao alcance para salvar? A política do falta-a-ser.
Mas e os mapas? Quais são eles?
A própria análise pode nos levar. E submeter-se à própria fala abre caminho nesse mar da linguagem. A terapia bem conduzida pode levar a uma perda que nos salvará – não uma perda de dinheiro, de bens ou de uma realidade. É uma perda narcísica que, na verdade, nos levará a um ganho impagável.
Uma vez iniciada a navegação, não sabemos de antemão o que virá, mas, se toparmos navegar, no leme teremos de estar. É preciso navegar…