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Ansiedade

    Ansiedade:

    Como o tratamento pode ajudar a transformar o sofrimento

          A ansiedade é, sem dúvida, uma das experiências mais comuns da vida psíquica. Todos nós, em algum momento, já sentimos o coração acelerar, a mente se agitar e o corpo se tensionar diante de uma situação que pareceu ameaçadora. Mas o que acontece quando esse estado se torna constante?

          Devemos olhar para a ansiedade não como um “problema a ser resolvido”, mas como um caminho para entender o que nos move, o que nos falta e o que tentamos esconder de nós mesmos.

    Ansiedade ou angústia?

          Como distinguir a ansiedade da angústia? No uso cotidiano, esses termos se misturam. Quando falamos, dizemos até ao mesmo tempo: “Estou sentindo uma ansiedade… uma angústia…”

          A angústia não é sem objeto, mas esse objeto é paradoxal. Contudo, não é um objeto identificável no mundo. Esse objeto não é algo que se veja ou que se nomeie facilmente. É preciso todo um trabalho para que se possa ir nomeando, aos poucos, isso que angustia.

          A ansiedade, por sua vez, pode ser vista como uma forma mais difusa e generalizada, marcada por uma inquietação constante — mas que, ainda assim, aponta para algo estruturante.

          Em ambos os casos, o afeto nos diz: há algo que está fora de lugar — ou que aparece demais.

          Sentir ansiedade pode ser uma forma de dizer:

    Tem algo aqui que você ainda não olhou, não escutou… e lhe diz respeito mais do que você imagina.

          A ansiedade pode ser compreendida como um estado difuso de tensão e expectativa, frequentemente sem um objeto claramente identificado. Trata-se de uma inquietação sintomática, marcada por uma sensação de urgência ou mal-estar que tende a se espalhar pelo corpo e pelo pensamento, muitas vezes acelerando o sujeito, gerando hiperatividade, compulsões ou excesso de presença no mundo.

    Os pacientes falam em pensamento acelerado.

    Diferente da angústia, que sinaliza a irrupção de algo do desejo ou do inconsciente, a ansiedade funciona como uma espécie de cobertura psíquica — uma defesa que desloca ou mascara um conflito mais profundo. Ela pode aparecer justamente onde a angústia deveria surgir, atenuando sua força paralisante e desorganizadora, mas mantendo o sujeito em constante alerta, como se algo prestes a acontecer jamais se realizasse de fato.

          Na contemporaneidade, a ansiedade desponta como uma das formas privilegiadas de sofrimento psíquico, refletindo a crise das referências simbólicas que antes sustentavam o sujeito. Trata-se de uma experiência que vai além do sintoma clínico, expressando uma exposição direta à falta e ao vazio, na ausência de mediações simbólicas consistentes.

          A cultura do desempenho, da aceleração e da promessa de completude intensifica essa vivência, colocando o sujeito diante do impasse do desejo. Nesse contexto, a escuta não busca suprimir a ansiedade, mas permitir que o sujeito se responsabilize por sua posição frente ao desejo, reinscrevendo as coordenadas simbólicas que possam lhe conferir sentido.

    Como abordar o manejo da ansiedade?

          Diferente de abordagens que buscam eliminar os sintomas rapidamente, o tratamento propõe um trabalho mais profundo: ouvir o que a ansiedade está tentando dizer. A clínica não trata a ansiedade como um erro a ser corrigido, mas como uma linguagem — uma fala do inconsciente que precisa ser decifrada.

    Alguns pontos importantes dessa escuta são os seguintes:

    1. Acolher, não suprimir

          Em vez de tentar controlar ou apagar a ansiedade, o terapeuta convida o paciente a falar sobre ela, a descrever suas formas, seus gatilhos, suas histórias. Isso já transforma o sintoma.

    2. Investigar os conflitos inconscientes

          A terapia ajuda a investigar e a dar nome a essas experiências — não para explicá-las com fórmulas prontas, mas para que o sujeito possa se recolocar frente a elas.

    3. Observar os mecanismos de defesa       

          Todos nós usamos defesas psíquicas para lidar tanto com a realidade quanto com o real: racionalizamos, evitamos, nos ocupamos em excesso, esquecemos. Parte do trabalho é reconhecer essas estratégias e entender o que elas buscam encobrir.

    4. Reposicionar-se diante da falta

          Não se trata de eliminar a falta — ela faz parte da condição humana, mas de reconfigurar a forma como lidamos com ela, abrindo espaço para o desejo, a criação e o novo. A falta, quando simbolizada, se torna potência de vida.

    Um caso clínico: quando a ansiedade fala pela memória

          Uma paciente, na faixa dos 30 anos, buscou o tratamento com queixas de ansiedade intensa e dificuldades de memória. Relatava esquecer compromissos, trocar nomes de colegas no trabalho e perder objetos com frequência. Sentia-se desorganizada, desorientada e incapaz.

          Ao longo do tratamento, foi possível perceber que esses esquecimentos não eram meros lapsos, mas formas de o inconsciente se manifestar. A memória “falhava” em momentos de maior cobrança, sempre ligados a sentimentos antigos de inadequação, vividos desde a infância.

          A escuta clínica permitiu que ela associasse esses episódios a exigências familiares, sobretudo à expectativa de perfeição que carregava consigo. Com o tempo, à medida que esses conteúdos foram se tornando conscientes, a ansiedade diminuiu e sua relação com a própria história se transformou.

    “Eu não me reconheço de tanto que melhorei”,disse ela.

    A ansiedade como oportunidade

          Sim, a ansiedade pode paralisar, machucar e até adoecer. Mas ela também pode ser um convite à escuta de si. Quando observada de perto, ela revela medos, desejos, defesas, repetições — e, com isso, oferece a chance de criar algo a partir do sofrimento: o novo que pode emergir.

          O tratamento tem a intenção de fazer algo com a ansiedade podendo dar-lhe sentido, lugar e história.

          Afinal, transformar o sintoma em palavra é, talvez, a maior forma de cura que podemos desejar.

    Como escreveu Cecília Meireles:

    “É uma dor que dói devagar,
    um sofrimento sem alarde:
    como uma ansiedade suave
    que se instala sem avisar.

    Edson Zaghetto