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Angústia

    Angústia

    “Angst” – Reflexões e Complexidades

          A tradução em espanhol da obra de Freud pela Amorrortu Editores é amplamente reconhecida por sua precisão e fidelidade em relação ao texto original em alemão. Para leitores que navegam na língua espanhola, recomenda-se a leitura de Freud na edição publicada pela Amorrortu Editores.

          A consulta ao texto original de Freud, para este artigo, foi realizada por meio da edição da S. Fischer Verlag, considerada uma das mais fidedignas em relação ao alemão freudiano. Dentre os diversos termos que apresentam desafios na tradução, o termo “Angst” destaca-se como um dos mais complexos e polêmicos. A seguir, são apresentadas algumas reflexões acerca das dificuldades associadas à sua tradução.

    Angst: Entre Angústia, Medo e Ansiedade

          No alemão, “Angst” significa “medo” e abrange desde os sentidos mais moderados como “temor” e “receio” até os mais intensos, como “pânico” e “pavor”. O termo pode se referir tanto a objetos específicos quanto inespecíficos. Contudo, não há equivalentes perfeitos em alemão para “ansiedade” ou “angústia”, o que resulta em uma sobreposição semântica entre esses conceitos.

          Do ponto de vista linguístico, a tradução mais adequada para “Angst” seria “medo”. No entanto, as traduções francesa e espanhola frequentemente optam por “angústia”, enquanto as versões em inglês preferem “ansiedade”. Essa variação reflete tradições de tradução distintas e interpretações teóricas, que torna o processo bastante complexo.

          Freud frequentemente transita, em um mesmo parágrafo, entre usos coloquiais e técnicos de “Angst”, empregando o termo ora como designação nosológica, ora como expressão de afeto. Essa flexibilidade, aliada às dimensões culturais e linguísticas, impõe desafios adicionais para os tradutores.

          Quando Freud menciona “Angst”, ele estaria se referindo a “medo”, “angústia” ou “ansiedade”? O próprio autor emprega diversas expressões relacionadas, como “medo de espera”, “medo prolongado” e “medo automático”. Apesar disso, ele não recorre a termos alemães mais específicos, que poderiam indicar com maior precisão “angústia” ou “ansiedade”.

    A Relação entre “Angst” e o Recalque

          Freud estabelece uma relação entre “Angst” e o recalque, afirmando que o recalque, ao impedir o sujeito de satisfazer suas exigências pulsionais, gera diversas formas de “Angst” neuróticas (Neurotische “Angst”).

          Linguisticamente, Freud diferencia “Angst” (medo) de Furcht (temor, receio). O termo “Angst” é utilizado para medos inespecíficos, relacionados à espera e à indefinição da ameaça, enquanto Furcht é aplicado a medos específicos. No entanto, no alemão corrente, ambos os termos podem ser usados para designar “medo” diante de algo específico. Em expressões como “morrer de medo de algo” ou “ter pavor”, “Angst” é o termo mais frequentemente empregado.

          Freud, por sua vez, utiliza “Angst” em sentidos variados, muitas vezes contradizendo definições anteriores. Por exemplo, ele se refere ao “medo real” (RealAngst), associado a perigos conhecidos, e ao “medo neurótico” (NeurotischeAngst), relacionado a perigos desconhecidos.

          O termo “Angst” apresenta desafios significativos para os tradutores de Freud. Em algumas situações, torna-se difícil distinguir entre medo, angústia e ansiedade. A ênfase de Freud na espera e na inespecificidade de “Angst” frequentemente sugere um sentimento próximo à ansiedade.

          Independentemente do termo escolhido na tradução, é crucial compreender que “Angst”, mesmo quando designa um medo vago e antecipatório, implica um estado de prontidão reativa, visceral e intensa. Esse estado está frequentemente vinculado à sensação de perigo, aproximando-se de experiências de fobia e pavor. Essa interpretação é válida tanto para a primeira quanto para a segunda teoria freudiana sobre “Angst”.

          Ao analisar o uso de “Angst”, é essencial considerar suas conexões com os conceitos de recalque (Verdrängung) e descarga (Abfuhr), que, embora não abordados em profundidade neste texto, constituem parte essencial de uma reflexão mais ampla sobre o termo.

          Ao ler Freud, é fundamental atentar-se às palavras “medo”, “angústia” e “ansiedade”. É importante observar o contexto em que são empregadas, analisando o parágrafo e o texto em que estão inseridas.

          Para uma análise mais aprofundada, recomenda-se a consulta ao Dicionário Comentado do Alemão de Freud (Hanns, Luiz Alberto, 1996), obra que apresenta esclarecimentos fundamentais sobre os termos discutidos.

    A Angústia e Sua Relação com o Simbólico

           “Dizer que se é angustiado indica, em si, já ter podido tomar uma certa distância em relação ao vivido afetivo. Isso mostra que o ‘eu’ já adquiriu um certo controle e objetividade em relação a um afeto do qual, a partir desse momento, pode-se duvidar que mereça ainda o nome de angústia.” (Aulagnier)

          A angústia não se limita a uma sensação interna; ela está intrinsecamente relacionada ao meio simbólico e à interação subjetiva. Essa experiência está associada à ausência de um nome ou de uma referência que permita sua localização no campo simbólico. A angústia emerge como uma falha na nomeação ou como a ausência de uma referência simbólica capaz de conectar o sujeito ao desejo ou à demanda. Surge, portanto, quando o sujeito enfrenta barreiras na simbolização do desejo ou na relação com o outro.

    Manifesta-se tanto no nível interno (subjetivo) quanto nas relações externas, sendo um afeto difícil de delimitar

          O terapeuta, nesse contexto, busca explorar como a angústia se apresenta no discurso do paciente, promovendo a possibilidade de que o significado subjetivo a ela associado encontre formas de expressão e elaboração.

          A angústia é, simultaneamente, uma vivência pessoal e relacional. Com sua nomeação, ocorre um significativo alívio psíquico e corporal.

    A Angústia como Articulação do Desejo e Relação no Campo Simbólico

          A angústia emerge como uma falha na articulação do desejo no campo simbólico, refletindo a impossibilidade de o sujeito localizar e nomear seu lugar. Apresenta-se como um sinal de algo que necessita ser reconhecido ou simbolizado. Essa falta está intrinsecamente relacionada à busca por uma referência para o desejo do Outro (grande Outro) e à integração de aspectos subjetivos.

          O tratamento terapêutico investiga como a angústia se conecta com a dinâmica do desejo e com as projeções que o sujeito formula. Esse processo permite esclarecer as relações entre o sujeito, seu desejo e o contexto relacional.

          A angústia não é apenas um vazio; ela funciona também como um ponto de articulação entre o sujeito, o desejo e o campo simbólico. Em sua complexidade, a angústia é uma chave essencial para compreender as relações entre o sujeito e o campo simbólico.

    A Formação do Desejo e a Subjetivação

          O desejo da criança é, inicialmente, modelado pelo grito como uma expressão de necessidade, que é interpretada e respondida pela mãe (ou pelo cuidador). Essa dinâmica inaugura a relação simbólica e introduz a criança no campo do desejo. A alimentação (absorção) simboliza a internalização da relação com o campo simbólico e com os significados inconscientes que essa relação comporta.

          A introdução do “sinal” (como algo que media o desejo) é crucial para que a criança possa significar sua relação com o desejo e, assim, construir sua própria subjetividade.

          A frustração é apresentada como uma etapa essencial para a constituição do desejo, pois cria a distinção entre demanda e desejo, permitindo que o sujeito se organize em torno da falta e do significante.

          A relação entre desejo e demanda é ilustrada pela metáfora da amamentação, em que a criança projeta a busca pelo objeto desejado (leite, cuidado) como uma forma de organizar seu lugar em relação ao campo simbólico.

          A relação entre necessidade, demanda e desejo é apresentada como o cerne do processo de subjetivação.

    A Falta e a Construção do Desejo na Constituição Subjetiva

          A criança busca identificar-se com o campo simbólico para acessar o seu desejo, mas encontra barreiras, já que não é possível satisfazer plenamente todos os seus desejos. Isso ocorre devido aos limites impostos pela linguagem, pela cultura, pelas regras sociais, entre outros fatores.

          O reconhecimento dessa falta é essencial para a constituição da subjetividade, pois é a partir dessa falta que o desejo emerge e se organiza.

          Há uma grande complexidade nas dinâmicas de identificação, nas barreiras que impedem a satisfação de todos os desejos e na busca psíquica pelo objeto perdido.

          A criança, ao se deparar com a falta de um objeto que a preencha, busca compreender o que a linguagem, a cultura ou figuras importantes, como os pais, desejam dela.

          A incapacidade de acessar o campo simbólico gera uma relação conflituosa com a linguagem e com o corpo.

          A angústia está intrinsecamente ligada ao confronto do sujeito com a falta e com a impossibilidade de uma completude simbólica.

          Ela pode ser elaborada na medida em que o sujeito consegue simbolizar sua posição em relação ao campo simbólico e ao desejo.

    A Angústia como Experiência Fundamental na Constituição do Sujeito

          A angústia é discutida como uma experiência fundamental ligada à falta de simbolização de algo essencial para o sujeito.

          É o momento em que o sujeito confronta a ausência de sentido ou de preenchimento simbólico para suas demandas e desejos.

          Esse processo é descrito como uma tensão constante entre o que o sujeito espera do campo simbólico e a impossibilidade de obter uma resposta completa.

          A angústia, como uma manifestação do reconhecimento simbólico de que não é possível satisfazer todos os desejos, surge devido aos limites impostos pela realidade, pela linguagem e pelas regras sociais.

          Ela aponta para a necessidade de compreensão e elaboração no campo simbólico, permitindo ao sujeito lidar com a tensão entre o desejo e sua estrutura fundamental de incompletude.

    Edson Zaghetto