A palavra em três movimentos: o dito, a escuta e o ato
A palavra segue o seu caminho. Como um rio que encontra seu leito, ela percorre trilhas invisíveis, buscando seu curso. Para muitos, a palavra parece um simples som que preenche o silêncio, mas, na verdade, ela precisa trilhar até se transformar em ato. Quantas vezes precisamos dizer algo, até que esse algo se torne real? A palavra precisa ser dita repetidamente, quase como um ritual, até que, como que de súbito, irrompa em ação. Se ceder nas palavras, vai ceder nas ações.
A palavra é misteriosa, enigmática. Ela não se entrega facilmente; é como um convite sutil que pede para ser acolhido. Mas, para que isso aconteça, é preciso dar-lhe o tempo necessário. A palavra precisa de um espaço – um “vaso” que a contenha e a sustente. Um campo onde ela possa ser cuidada, escutada e guardada como se estivesse em um santuário, protegida como um tesouro de significados.
Com o tempo, essa palavra, tão cuidadosamente acolhida, começa a ressoar de dentro e, então, encontra o caminho para o ato.
O tempo da palavra e o tempo do ato
Quantas vezes falamos sobre o que gostaríamos de mudar, fazer ou transformar? Muitas vezes, não basta apenas uma decisão consciente. A palavra precisa ser dita repetidamente, ressoando dentro de nós, até que, em algum momento, ela se realize. Como me contou uma paciente: “Falei sobre isso aqui tantas vezes, e tudo parecia na mesma. Mas continuei insistindo. Um dia, de repente, percebi que estava agindo exatamente como queria ter feito há anos.”
Aqui, um fragmento desse circuito da palavra. Há um tempo próprio para que a palavra se realize; até que esse tempo chegue, ela permanece em seu estado latente. Um dia, no entanto, ela ressurge, pronta para se transformar em ação.
A palavra segue suas próprias leis, e é como se só permitisse que o ato se concretizasse após ter trilhado todo o seu percurso. Quando isso acontece, o ato surge como um efeito, não como uma mera decisão racional. E é essa diferença que faz com que a mudança seja duradoura, enraizada em algo mais profundo do que um simples objetivo consciente.
A magia da palavra
É curioso como, às vezes, pacientes relatam que algo mudou em suas vidas sem que eles soubessem exatamente como ou por quê. Algo foi dito, algo foi escutado e, nesse contínuo exercício, tempos depois, algo se moveu. “É estranho”, dizem eles. “Como essa mudança aconteceu? Parece mágica!” Ou, como disse uma paciente: “O que rolou?” Como diz o cineasta francês François Ozon: “… a partir do momento em que se encontram palavras para as dizer, as coisas se resolvem ou se transformam.”
É um processo. E mesmo enquanto ele se desenrola, já é possível sentir seus efeitos.
Como colocar a palavra em movimento?
Para que esse movimento se inicie, é necessário que alguém as escute – as palavras! Mas o que significa, afinal, escutar as palavras?
Na maioria das vezes, não escutamos realmente o que é dito. O que ouvimos é apenas uma massa sonora indistinta. A verdadeira escuta exige um tipo especial de atenção, uma escuta “flutuante”, que vai de uma palavra a outra, atenta aos significantes que se conectam entre si. É uma teia de palavras que se forma, um tecido invisível que sustenta o discurso.
Quando alguém fala, o que se ouve é um texto falado – não escrito, mas oral, vivo. É preciso estar atento às palavras que se destacam no discurso, às palavras que se iluminam por conta própria.
Escutar como se escuta uma orquestra.
Fazendo uma homologia com a música, escutar a palavra é como ouvir uma orquestra. No início, tudo parece uma massa sonora indistinta. Mas, com o tempo, com treino, distingue-se os violinos, os violoncelos, as flautas. E, de repente, como se surgisse de um lugar escondido, ouve-se um oboé que nunca tinha sido percebido antes. A peça é a mesma, mas, agora, um novo som se destaca.
Da mesma forma, quando se escuta alguém falar, uma palavra pode emergir, destacando-se quase que por si só. E nem sempre se sabe por que aquela palavra chamou a atenção. Ela se revela dentro do discurso e retorna de uma nova maneira, carregando consigo o potencial de transformação.
Assim, no espaço terapêutico, essa palavra dita é acolhida e pode, em algum momento, transformar-se em ato. Ela traz consigo a promessa de mudança, um movimento que, embora misterioso, pode ser profundamente transformador para aquele que fala e para aquele que escuta.
Edson Zaghetto